ASSUNTO: REPRESENTAÇÕES DE NATUREZA INTERNA E EXTERNA
REPRESENTANTES:SECRETARIA DE CONTROLE EXTERNO DE CONTRATAÇÕES PÚBLICAS
SAL ALUGUEL DE CARROS LTDA
REPRESENTADA:DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE MATO GROSSO
RESPONSÁVEIS:CLODOALDO APARECIDO GONÇAVES DE QUEIROZ
Defensor Público-Geral de Mato Grosso
ROGÉRIO BORGES DE FREITAS
Primeiro Subdefensor Público-Geral
THADERSON DIORGE SILVA DUARTE
Técnico Administrativo e Gerente de Transporte
THEREZA CRISTINA SALES PERES
Pregoeira
EQUIPE TÉCNICA:FRANCIS BORTOLUZZI
Secretário de Controle Externo
BRUNO ANSELMO BANDEIRA
Supervisor de Controle Externo
EDIVALDO MOTA ARAÚJO
Auditor Público Externo
FREDERICO VILÁ E MULLER
Auditor Público Externo
JOASSIS TERESO DE ARRUDA
Técnico de Controle Público Externo
Tratam os autos de Representação de Natureza Interna, de autoria da Secretaria de Controle Externo de Contratações Públicas, na qual foi apensada a Representação de Natureza Externa, proposta pela empresa Sal Aluguel de Carros Ltda, as quais visam apurar supostas irregularidades no Pregão Presencial 9/2019/DP/MT, que teve como objeto a contratação de empresa especializada em prestação de serviços de locação de veículos para atender às necessidades da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso.
Considerando que a Representação de Natureza Interna 17.276-6/2019 possui o mesmo objeto da Representação de Natureza Externa 13.099-0/2019, qual seja, análise do Pregão Presencial 9/2019/DP/MT, os referidos processos foram apensados por decisão da relatora à época, Conselheira Interina Jaqueline Jacobsen, nos termos do artigo 128-B, § 3º, da Resolução Normativa 14/2007-TP e artigo 55, § 1°, do Código de Processo Civil.
Assim, considerando que ambos processos se encontram sob esta relatoria e em homenagem ao princípio da celeridade processual, serão analisados em conjunto para fins de julgamento.
Inicialmente, passa-se à explanação do trâmite processual da Representação de Natureza Interna 17.276-6/2019, proposta pela Secretaria de Controle Externo de Contratações Públicas.
O recebimento das propostas do certame ocorreu em 16 de abril de 2019, ocasião em que a pregoeira adjudicou o primeiro e o segundo lote às empresas vencedoras e deixou de adjudicar o terceiro lote em razão do interesse da empresa Sal Aluguel de Carros Ltda em interpor recurso da decisão que a declarou inabilitada pela não apresentação de alvará de funcionamento (Documento Digital 120864/2019).
Após, em razão do término do expediente, a pregoeira suspendeu os trabalhos e demais atos decorrentes, e a próxima sessão ficou designada para o dia 22 de abril de 2019 (Documento Digital 120864/2019).
No entanto, antes mesmo de ocorrer a nova sessão, o certame foi suspenso liminarmente por decisão judicial proferida nos autos do Mandado de Segurança n° 1016490-13.2019.8.11.0041, impetrado pela empresa Sal Aluguel de Carros Ltda, diante de sua inabilitação – o qual ainda não foi julgado.
Ao analisar a integralidade do procedimento licitatório 9/2019/DP/MT, a equipe de auditoria deste Tribunal de Contas emitiu Relatório Técnico Preliminar, onde consignou o superdimensionamento do quantitativo de locações previsto no termo de referência do citado edital (Documento Digital 122459/2019).
Conforme explana a SECEX, não há como saber quais foram os critérios adotados para fixação dos quantitativos previstos no termo de referência, já que não há no procedimento licitatório estudo técnico preliminar e relação de veículos (próprios e alugados) utilizados, à época, pela Defensoria Pública.
A equipe técnica apurou, ainda, que no início de 2017 a Defensoria Pública de Mato Grosso possuía dezoito veículos locados, conforme informação prestada pelo Defensor Público-Geral, à época, Sílvio Jeferson de Santana, nos autos do processo n° 51.459-9/2016, relativo à adesão à Ata de Registro de Preço da Associação Mato-grossense dos Municípios, em que a instituição justificou a necessidade de locação de quatro veículos para atender sua demanda (Documento Digital 121187/2019, pág. 9).
Em outra oportunidade, a Defensoria Pública também registrou o preço de cento e noventa veículos (Ata de Registro de Preços n° 21/2017), contudo, locou de fato apenas sete, conforme contrato n° 08/2018 (Documento Digital n° 121234/2019).
Além disso, o Relatório Técnico Preliminar das contas de gestão de 2017 apontou que a Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso possuía, à época, doze veículos próprios e onze locados (Documento Digital n° 121292/2019).
Assim, pelos motivos expostos, a equipe técnica desta Corte concluiu que ao especificar o quantitativo de setenta e seis veículos para locação, com valor global estimado em R$ 4.868.500,00, a Representada superdimensionou o certame, de forma que poderia gerar falsa expectativa de lucro nos potenciais fornecedores e inibir a participação de licitantes sem capacidade para atender à demanda.
Em razão dessa inconsistência, apontou uma irregularidade de natureza grave, sob a responsabilidade do Senhor Thaderson Diorge Silva Duarte, Técnico Administrativo e Gerente de Transporte, responsável pela elaboração do termo de referência do certame, e do Senhor Rogério Borges de Freitas, Primeiro Subdefensor Público-Geral, que aprovou o edital e seus anexos, sem que houvesse a indicação da metodologia utilizada para definir as quantidades a serem licitadas:
Classificação
Achado
Responsável
1. GB 99. Licitação. Grave. Irregularidade referente à licitação, não contemplada em classificação específica na Resolução Normativa 17/2010 do TCE-MT
Devido à ausência de realização de estudo técnico preliminar na fase de planejamento da contratação, demonstrando a necessidade dos serviços a serem licitados, ocorreu o superdimensionamento do quantitativo de locações previstas no Termo de Referência anexado ao edital do Pregão Presencial 009/2019 publicado pela DPMT, o que poderá levar à contratação de serviços desnecessários e/ou já financiados por verbas de natureza indenizatória pagas a determinados servidores da Organização, com potencial de gerar dano ao erário pela realização de despesas ilegítimas e/ou em duplicidade.
Thaderson Diorge Silva Duarte e Rogério Borges de Freitas
Além do superdimensionamento de licitação, a equipe de auditoria verificou que o item 14 do edital trouxe como beneficiários dos serviços licitados os “Defensores, Servidores e Estagiários da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso no desenvolvimento de suas funções...” (Documento Digital 120682/2019, pág. 82). Ocorre que a Lei Ordinária Estadual n° 8.581/2006, que regula o pagamento das verbas indenizatórias no âmbito da Defensoria Pública, concede mensalmente aos Membros “ajuda de transporte no desempenho das atribuições institucionais”, cujo valor é variável entre R$ 2.000,00 e R$ 6.000,00 – a ser definido conforme critérios do Conselho Superior da Defensoria Pública.
Assim sendo, a locação de veículos para atendimento das necessidades dos Defensores Públicos caracterizaria duplicidade de pagamento, com consequente dano ao erário.
Por fim, diante da gravidade da irregularidade, que poderia gerar a realização de despesas desnecessárias e antieconômicas, a equipe de auditoria propôs a concessão de medida liminar para suspender o Pregão Presencial 9/2019/DPMT até o julgamento de mérito da presente Representação de Natureza Interna, a citação dos responsáveis e a expedição de determinação ao gestor para elaboração de normativo com a finalidade de orientar as equipes de planejamento na formulação dos quantitativos de bens em serviços de futuras contratações.
Ao receber a presente Representação, a Conselheira Interina Jaqueline Jacobsen Marques, relatora à época, decidiu por conhecê-la, uma vez cumpridas as exigências dos artigos 89, IV, 219 e 224, II, “a” e 225, da Resolução Normativa 14/2007-TP e, preliminarmente, manifestou-se no sentido de postergar a decisão sobre o pedido cautelar para análise posterior às manifestações dos responsáveis, visto que os efeitos do Pregão Presencial estavam suspensos em decorrência da decisão judicial proferida nos autos do mandado de segurança n° 1016490-13.2019.8.11.0041, impetrado pela empresa Sal Aluguel de Carros Ltda.
Diante disso, os responsáveis foram devidamente notificados para se manifestarem no prazo de três dias (Documento Digital 126336/2019). Porém, permaneceram inertes.
Deste modo, a relatora à época proferiu decisão singular na qual concedeu medida cautelar determinando a notificação do Defensor Público-Geral, Senhor Clodoaldo Aparecido Gonçalves de Queiroz, do Primeiro Subdefensor Público-Geral, Senhor Rogério Borges de Freitas, e do Gerente de Transportes, Senhor Thaderson Diorge Silva Duarte, para que mantivessem a suspensão do Pregão Presencial 9/2019/DPMT.
Ato contínuo, determinou-se a citação dos responsáveis para se manifestarem no prazo de quinze dias, bem como alertou-se o Gestor para o seu poder-dever de rever os atos praticados, de forma a evitar ou amenizar a ocorrência de eventuais prejuízos, retificando ou anulando o certame licitatório (Julgamento Singular 766/JJM/2019, Diário Oficial de Contas 1664, de 08/07/2019).
Em razão do deferimento da cautelar, foram os autos remetidos ao Ministério Público de Contas, que emitiu o Parecer 3.180/2018, de lavra do Procurador-Geral Alisson Carvalho de Alencar, onde manifestou-se pela homologação da medida concedida (Documento Digital 152559/2019).
Neste ínterim, a cautelar proferida nestes autos foi submetida ao Tribunal Pleno desta Corte, que por unanimidade homologou a medida, resultando no Acórdão 519/2019-TP.
O Primeiro Subdefensor Público-Geral, Senhor Rogério Borges de Freitas, apresentou defesa e alegou que em momento algum a instituição pretendeu gerar falsas expectativas nos potenciais fornecedores, que a nova gestão da Defensoria Pública se encontra empenhada em regularizar qualquer irregularidade apontada (Documento Digital 159066/2019).
Esclareceu, ainda, que o serviço licitado tem o objetivo de atender os Núcleos de Assistência Jurídica da Defensoria Pública, na Capital e no Interior, não se prestando à locomoção dos Defensores Públicos, como justificado equivocadamente no termo de referência do edital. Alegou que a instituição criou em sua estrutura organizacional a Gerência de Planejamento de Compras, a qual tem a missão de gerenciar e elaborar o plano de aquisições, conforme competências previstas no artigo 88 da Portaria 486/2019/DGP, publicada no Diário Oficial do Estado, no dia 04 de junho de 2019.
Por fim, em razão da ausência de estudo quantitativo do objeto licitado, informou que o procedimento licitatório foi anulado a fim de não causar prejuízo aos licitantes.
O Gerente de Transportes, Senhor Thaderson Diorges Silva Duarte, alegou, em síntese, que mesmo sem capacitação para a realização de estudo técnico ideal tomou todos os cuidados para especificar detalhadamente cada item, de modo a não restringir a concorrência. Contudo, concorda que realmente faltou a apresentação da metodologia para quantificar o serviço (Documento Digital 159067/2019).
Sustentou que embora tenha havido a falta de apresentação de estudo técnico, buscou-se pensar nas reais necessidades da Defensoria Pública e que nunca vislumbrou possível dano ao erário, visto se tratar de procedimento licitatório de registro de preços em que a contratação não é uma certeza.
Ato contínuo, o Defensor Público-Geral, senhor Clodoaldo Aparecido Gonçalves de Queiroz, em sua defesa, reconheceu as irregularidades apontadas por esta Corte e justificou que desde que assumiu a gestão da Instituição não tem medido esforços para adequar os trabalhos, tanto que foi instituída a Gerência de Planejamento e Compra (Documento Digital 207492/2019).
Por fim, sustentou que a Defensoria tem normatizado os trâmites necessários ao regular andamento dos procedimentos licitatórios futuros, que firmou contrato com um consultor externo objetivando a otimização do controle interno e que adotou um modelo de estudo técnico preliminar desenvolvido a partir dos modelos elaborados pelo Tribunal de Contas da União, Ministério do Planejamento e Superior Tribunal de Justiça.
Após a juntada das defesas, a Secretaria de Controle Externo de Contratações Públicas elaborou o Relatório Técnico Conclusivo, onde corroborou com o entendimento preliminar em manter apenas proposta de determinação para que o Defensor Público-Geral adote medidas visando solucionar as causas da irregularidade apontada (Documento Digital 244125/2019).
O Ministério Público de Contas, por meio do Parecer 5.807/2019, de autoria do Procurador-Geral Alisson Carvalho de Alencar, manifestou-se pela procedência da Representação em análise, bem como pela expedição de determinação à atual da Defensoria Pública, no sentido de elaborar normativo a fim de estabelecer estimativas de quantidade de bens e serviços a serem contratados e realizar estudo técnico preliminar na fase de planejamento das contratações.
É o relatório da Representação de Natureza Interna 17.276-6/2019.
Passa-se agora à explanação do trâmite da Representação de Natureza Externa 13.099-0/2019, apensa a estes autos.
A representante SAL Aluguel de Carros Ltda alega ter sido prejudicada ao ser desclassificada do certame público, por não ter apresentado alvará de funcionamento, em razão da exigência contida no item 8.1.2, “f”, do edital 9/2019/DP/MT (Documento Digital 80410/2019).
Em análise à representação, a equipe técnica da Secretaria de Controle Externo de Contratações Públicas emitiu Relatório Técnico Preliminar, no qual consignou o seguinte achado (Documento Digital 97771/2019):
GB 20. Licitação_Grave_20. Ocorrência de irregularidades relativas às exigências de habilitação jurídica das licitantes (art. 28, da Lei 8.666/1993). Exigência indevida de apresentação de alvará de funcionamento de empresa inscrita no Cadastrada Geral de Fornecedores do Estado de Mato Grosso, impedindo que a mesma pudesse participar das fases seguintes da licitação.
A irregularidade apontada fundamentou-se no fato de que a exigência de apresentação de alvará de funcionamento de empresa inscrita no Cadastro Geral de Fornecedores do Estado de Mato Grosso restringiu o caráter competitivo do certame, feriu o princípio da isonomia, bem como contrariou o art. 3°, §1°, inciso I, da Lei n° 8.666/1993 e o Decreto Estadual n° 840/2017, os quais disciplinam processos licitatórios.
Além disso, a exigência também foi contrária ao entendimento do Tribunal de Contas de União no que diz respeito à habilitação jurídica em licitação:
É vedada a exigência de apresentação de alvará de funcionamento sem a demonstração de que o documento constitui exigência do poder público para o funcionamento da licitante, o que deve ser evidenciado mediante indicação expressa da norma de regência no edital de licitação (Acórdão TCU 7982/2017 - Segunda Câmara).
Diante dos referidos argumentos, atribuiu-se responsabilidade pela irregularidade ao Senhor Clodoaldo Aparecido Gonçalves de Queiroz, Defensor Público-Geral do Estado de Mato Grosso, e à Senhora Thereza Cristina da Silva Peres, Pregoeira Oficial.
A Conselheira Jaqueline Jacobsen Marques, relatora do processo à época dos fatos, ao receber a presente Representação, decidiu por conhecê-la, com fundamento nos artigos 89, IV, 219 e 224, I, “c”, da Resolução Normativa 14/2007-TP, e determinou a citação dos responsáveis para se manifestarem acerca da irregularidade apontada (Documento Digital 100061/2019).
A Senhora Thereza Cristina da Silva Peres, Pregoeira, alegou em sua defesa que o Representante não observou as exigências contidas no edital, tampouco pediu esclarecimentos e/ou impugnou o instrumento convocatório em tempo hábil (Documento Digital 157752/2019).
Ademais, defendeu que jamais objetivou cercear a participação de quaisquer interessados e citou julgados desta Corte, dos anos de 2014 e 2015, os quais entendiam que a exigência de apresentação de alvará de funcionamento na fase de habilitação licitatória não comprometia o caráter competitivo do certame.
No mesmo sentido, o Senhor Clodoaldo Aparecido Gonçalves de Queiroz sustentou em sua defesa que a exigência do alvará de funcionamento era requisito claro no edital de licitação, sendo que todos os outros licitantes apresentaram referido documento, e eventual alteração após o início do certame poderia resultar prejuízo aos demais licitantes.
Além disso, defendeu que inexiste intenção de impedir a participação de qualquer empresa no procedimento licitatório.
Assim, após juntada das defesas, os autos foram encaminhados à Secretaria de Controle Externo, a qual concluiu pela procedência da Representação de Natureza Externa para manter a irregularidade.
Contudo, considerando os entendimentos firmados por esta Corte de Contas de que a exigência de alvará de funcionamento não restringe a concorrência, opinou pela não aplicação de sanção ao caso, mas, tão somente, pela expedição de determinação para que a Defensoria Pública exclua do Pregão presencial 09/2019/DP/MT a exigência de apresentação e/ou autorização de funcionamento ou documento semelhante, por não constar no rol do artigo 30 de Lei 8.666/1993 (Documento Digital 196881/2019).
Instado a se manifestar, o Ministério Público de Contas corroborou com o entendimento da equipe técnica ao verificar que a exigência de alvará de funcionamento constitui grave irregularidade e compromete o caráter competitivo do procedimento licitatório e, considerando sua anulação, manifestou-se também pelo afastamento da sanção pecuniária, nos termos do Parecer n° 2.597/2020, de lavra do Procurador-Geral Alisson Carvalho de Alencar (Documento Digital 616339/2020).
É o relatório da Representação de Natureza Externa 130990/2019.
Passa-se agora à análise do mérito.
A matéria que será examinada comporta Julgamento Singular, na forma do artigo 90, II da Resolução 14/2007-TCE-MT.
Pois bem, no que concerne à primeira irregularidade, essa se deu em virtude do procedimento licitatório Pregão Presencial 9/2019/DPMT não ter sido instruído com estudo técnico preliminar para quantificar os serviços a serem licitados. Conforme apontou a equipe técnica, não restou clara a metodologia utilizada para que fossem licitados setenta e seis veículos, quando, usualmente, a Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso tem utilizado, em média, vinte veículos ao ano, entre próprios e locados.
Os responsáveis admitiram em suas defesas a falta da metodologia utilizada na confecção do termo de referência, bem como se manifestaram a favor da anulação do certame a fim de evitar maiores prejuízos.
A elaboração do estudo técnico preliminar constitui a primeira etapa do planejamento de uma contratação e se faz muito importante, pois garante a viabilidade e o levantamento dos elementos essenciais que servirão para compor o termo de referência e o projeto básico.
A ausência do referido estudo pode acarretar em contratações incapazes de atender a demanda do Ente, ocasionando o desperdício de recursos ou a impossibilidade de contratar.
A Lei 10.520/2002, que regulamenta o procedimento licitatório denominado Pregão, traz consigo diretrizes para elaboração dos estudos que embasam o edital de licitação:
Art. 3° A fase preparatória do pregão observará o seguinte:
(…)
II- a definição do objeto deverá ser precisa, suficiente e clara, vedadas as especificações que, por excessivas, irrelevantes ou desnecessárias, limitem a competição.
Referida lei prevê em seu artigo 11 a possibilidade do uso da modalidade Pregão quando as contratações de bens e serviços comuns forem efetuadas pelo sistema de registro de preços:
Art. 11 As compras e contratações de bens e serviços comuns, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, quando efetuadas pelo sistema de registro de preços previsto no art. 15 da Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, poderão adotar a modalidade pregão, conforme regulamento específico.
No caso em questão, o procedimento licitatório no âmbito da Defensoria Pública deste Estado realizou-se mediante registro de preços, previsto também no artigo 15 da Lei 8.666/1993, o qual traz como requisito a necessidade da quantificação do objeto que será registrado:
Art. 15 (...)
§7º – Nas compras deverão ser observadas, ainda:
(…)
II- A definição das unidades e das quantidades a serem adquiridas em função do consumo e utilização prováveis, cuja estimativa será obtida, sempre que possível, mediante adequadas técnicas quantitativas de estimação; (grifei)
No mesmo sentido da Legislação Federal está o Decreto Estadual 840/2017, que regulamenta, dentre outros, o sistema de registro de preços no âmbito Estadual, vejamos:
Art. 4° O termo de referência ou o plano de trabalho é instrumento, que servirá de base para a elaboração do edital, deverá dispor as razões e interesse público determinantes para a contratação do objeto pretendido, devendo anexar as documentações que subsidiam a necessidade em sua quantidade, especificação e especificidade. (grifei)
Confirma-se, portanto, a imprescindibilidade de estudo técnico preliminar para quantificar o objeto das contratações públicas, visto que a superestimativa de quantitativos dos serviços poderá acarretar na execução de pagamentos de despesas desnecessárias e antieconômicas, decorrentes da contratação de serviços muito superior às necessidades do Órgão.
Aliás, importante demonstrar que não é a primeira vez que a Defensoria Pública realiza licitação em quantitativo superior à sua real necessidade. Como já exposto no relatório deste Julgamento Singular, em outra oportunidade, a Defensoria Pública registrou o preço de cento e noventa veículos (Ata de Registro de Preços n° 21/2017), contudo, locou de fato apenas sete (Documento Digital n° 121234/2019 - contrato n° 08/2018).
Denota-se que o serviço licitado por meio do Pregão Presencial 9/2019/DPMT não era algo novo na Instituição, pois esta já fazia uso de carros locados, o que demonstra que havia um histórico de consumo a ser levado em consideração. Contudo, não foi observado.
Apesar do responsável pela elaboração do termo de referência, Senhor Thaderson Diorges Silva Duarte, ter justificado que para quantificar o objeto considerou demandas internas e externas e possíveis lacunas a serem preenchidas no que tange ao transporte de materiais, utensílios, móveis, documentos e pessoas; e considerou, ainda, seiscentos servidores e cinquenta núcleos distribuídos no Estado, além de projetos, eventos, viagens, programas, rotinas – nota-se que o quantitativo apresentado no edital 9/2019/DPMT não retratou a realidade da Instituição (Documento Digital 159067/2019).
Nesse sentido, o Tribunal de Contas da União emitiu orientação na qual evidencia que há que se refinar os históricos dos bens que se pretende contratar e que integram as demandas da Instituição:
“...uma instituição dotada de mínima organização gerencial deveria possuir controles estatísticos de utilização dos materiais necessários à execução de suas atividades quotidianas, utilizando como referência, por exemplo, registros de consumo desses materiais ao longo de períodos de tempo determinados” (TCU. Acórdão n° 1318/2011-Plenário).
Diante da conduta dos agentes públicos, interessante citar o ensinamento do renomado Helly Lopes Meirelles, que definiu o princípio da eficiência como “o que se impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento profissional”.¹
Nota-se, portanto, que os agentes públicos responsáveis pela fase preparatória do Pregão Presencial incorreram mais de uma vez no mesmo erro, no que se refere ao estudo técnico preliminar para a definição correta do quantitativo a ser locado.
A respeito da superestimativa de quantitativos no âmbito de processos licitatórios, em razão de sua importância, impende transcrever trecho do voto condutor do Acórdão 331/2009 – TCU-Plenário:
Inadmissível que a própria Administração reconheça como legítima a superestimativa de quantitativos de serviços como forma de margem de segurança para eventuais distorções.
(...)
Em hipótese alguma a insuficiência do projeto básico justifica a adoção de ato incompatível com os princípios da legalidade - por absoluta falta de amparo na Lei de Licitações - e da eficiência, ensejador de expedição de determinação ao Órgão para que proceda a sua anulação, sem prejuízo da aplicação de multa aos Responsáveis que lhe deram causa.
Portanto, diante dos fundamentos acima explanados, entendo que a manutenção da irregularidade GB99, de natureza grave, apontada pela equipe técnica, possui total pertinência.
No que tange a uma possível duplicidade de pagamento em relação aos serviços licitados beneficiarem os Membros, que já recebem ajuda de transporte no desempenho de suas atribuições institucionais, o responsável Rogério Borges de Freitas esclareceu que o serviço tem o objetivo de atender somente os Núcleos de Assistência Jurídica da Defensoria Pública, na Capital e no Interior, sendo que os Defensores foram incluídos equivocadamente no edital.
No que diz respeito à irregularidade decorrente da exigência de alvará de funcionamento, esta foi responsável pela inabilitação da empresa Sal Aluguel de Carros Ltda, a qual deixou de apresentar o referido documento.
O alvará de funcionamento é o documento que comprova que a empresa está autorizada a exercer suas atividades no endereço informado aos órgãos públicos. Contudo, não tem o poder de disciplinar acerca das habilidades teóricas e práticas da empresa que ali será instalada.
Ocorre que a Lei de Licitações e Contratos n° 8.666/93 tratou de minuciar os documentos relativos à habilitação jurídica e qualificação técnica necessários para participação nos certames públicos:
Art. 28. A documentação relativa à habilitação jurídica, conforme o
caso, consistirá em:
I - cédula de identidade;
II - registro comercial, no caso de empresa individual;
III - ato constitutivo, estatuto ou contrato social em vigor, devidamente registrado, em se tratando de sociedades comerciais, e, no caso de sociedades por ações, acompanhado de documentos de eleição de seus administradores;
IV - inscrição do ato constitutivo, no caso de sociedades civis, acompanhada de prova de diretoria em exercício;
V - decreto de autorização, em se tratando de empresa ou sociedade estrangeira em funcionamento no País, e ato de registro ou autorização para funcionamento expedido pelo órgão competente, quando a atividade assim o exigir.
Art. 30. A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a:
I - registro ou inscrição na entidade profissional competente;
II - comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, e indicação das instalações e do aparelhamento e do pessoal técnico adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação, bem como da qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos;
III - comprovação, fornecida pelo órgão licitante, de que recebeu os documentos, e, quando exigido, de que tomou conhecimento de todas as informações e das condições locais para o cumprimento das obrigações objeto da licitação;
IV - prova de atendimento de requisitos previstos em lei especial, quando for o caso.
Do mesmo modo, a Lei 10.520/2002, que regulamenta a modalidade de licitação denominada Pregão, dispõe sobre a documentação para habilitação dos licitantes:
Art. 4º A fase externa do pregão será iniciada com a convocação dos interessados e observará as seguintes regras:
(…)
XIII - a habilitação far-se-á com a verificação de que o licitante está em situação regular perante a Fazenda Nacional, a Seguridade Social e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, e as Fazendas Estaduais e Municipais, quando for o caso, com a comprovação de que atende às exigências do edital quanto à habilitação jurídica e qualificações técnica e econômico-financeira;
Temos ainda o Decreto Estadual 840/2017, que regulamenta as licitações no âmbito estadual, estabelece:
Art. 32 Para habilitação dos licitantes, participantes de Pregão presencial ou eletrônico, será exigida, exclusivamente, a documentação relativa à:
I - Habilitação jurídica;
II - Qualificação técnica;
III - qualificação econômico-financeira;
IV - Regularidade fiscal;
V - Declarações legalmente exigíveis;
VI - Outros documentos exigidos por legislação específica.
[...]
§ 3º A documentação exigida será substituída, em todos os casos, pela regularidade junto ao Cadastro Geral de Fornecedores do Estado de Mato Grosso, exceto a disposição do inciso II e, se for o caso, do inciso V, ambos do caput deste artigo.
Veja que na literalidade da Lei não há nenhuma menção quanto à exigência de alvará de funcionamento. Dessa forma, se não existe nenhuma expressão taxativa, claramente definida, acerca da exigibilidade do referido documento, entende-se que sua condição em edital de licitação, em regra, é ilegal, vez que acaba por restringir a concorrência.
Nessa perspectiva, a Lei 8.666/93, visando garantir maiores benefícios à Administração Pública diante da ampla concorrência, vedou a inserção em edital de licitação de cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem seu caráter competitivo:
Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.
§ 1º É vedado aos agentes públicos:
I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5º a 12 deste artigo e no art. 3º da Lei nº 8.248, de 23 de outubro de 1991;
Portanto, incluir no edital a exigência de apresentação de alvará de funcionamento sem qualquer justificativa e/ou comprovação de sua relevância para o certame, acaba por restringir a participação de fornecedores.
A propósito, o Tribunal de Contas da União já firmou entendimento nesse sentido:
É vedada a exigência de apresentação de alvará de funcionamento sem a demonstração de que o documento constitui exigência do poder público para o funcionamento da licitante, o que deve ser evidenciado mediante indicação expressa da norma de regência no edital de licitação.
(Acórdão TCU7982/2017-Segunda Câmara).
Na mesma linha é o entendimento deste Tribunal de Contas:
Licitação. Habilitação jurídica. Alvará de localização compatível com o objeto licitatório. Restrição à competição. Cabível em situação excepcional e com justificativa expressa.
1) A exigência de Alvará de Localização e/ou Funcionamento, em plena validade e compatível com o objeto do certame, para demonstrar constituição de sede no município que realiza licitação na modalidade pregão presencial, restringe indevidamente a competitividade do certame, violando o tratamento isonômico entre os participantes, já que impossibilita a participação de empresas que não possuam sede no município.
2) Uma cláusula licitatória de restrição geográfica somente é cabível em caráter excepcional e se houver justificativa expressa comprovando as razões da obrigação da localização como algo indispensável para execução satisfatória à complexidade do objeto do respectivo contrato. (REPRESENTAÇÃO (NATUREZA EXTERNA). Relator: JOÃO BATISTA CAMARGO. Acórdão 156/2019 - 2ª CÂMARA. Julgado em 06/11/2019. Publicado no DOC/TCE-MT em 21/11/2019. Processo 212814/2018)
Assim, diante do exposto, inquestionável a ilegalidade da exigência contida no item 8.1.2, “f” do Edital 9/2019/DPMT, motivo pelo qual concordo com a manutenção da irregularidade GB 20, de natureza grave, apontada pela Equipe Técnica deste Tribunal de Contas.
Todavia, embora os Agentes Públicos tenham de fato desobedecido os ditames legais na realização do certame, entendo que a anulação do Pregão Presencial 9/2019/DPMT (Documento Digital 248320/2019) e a criação da Gerência de Planejamento e Compra para coordenar e elaborar plano de aquisições no âmbito da Defensoria Pública (Documento Digital 207492/2019), devem ser considerados como atenuantes para a aplicabilidade da pena, nos termos do art. 22, § 2° e 3º, da Lei 4.657/1942 - LINDB, c/c art. 13, § 1°, do Decreto Federal n° 9.830/2019:
Lei 4.657/1942 - LINDB
Art. 22. Na interpretação de normas sobre gestão pública, serão considerados os obstáculos e as dificuldades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados.
(...)
§ 2º Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente.
§ 3º As sanções aplicadas ao agente serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções de mesma natureza e relativas ao mesmo fato.
Decreto Federal n° 9.830/2019
Art. 13. A análise da regularidade da decisão não poderá substituir a atribuição do agente público, dos órgãos ou das entidades da administração pública no exercício de suas atribuições e competências, inclusive quanto à definição de políticas públicas.
§ 1º A atuação de órgãos de controle privilegiará ações de prevenção antes de processos sancionadores.
Feitas essas considerações, diante do princípio da razoabilidade, é forçoso reconhecer que apenar os Responsáveis com multa seria medida de extremo rigor, na medida em que as irregularidades cometidas não chegaram a produzir repercussões relevantes no sentido de trazer prejuízos à Administração Pública e/ou aos licitantes.
Assim, em ambas representações, acompanho a Equipe Técnica e coaduno com a opinião do Ministério Público de Contas, mediante os Pareceres 5.807/2019 e 2.597/2020, subscritos pelo Procurador-Geral Alisson Carvalho de Alencar, no sentido de manter as irregularidades GB99 e GB20, e aplicar apenas expedição de determinação legal aos responsáveis como forma de medida pedagógica.
Isto posto, CONHEÇO a Representação de Natureza Interna, de autoria da Secretaria de Controle Externo de Contratações Públicas, e a Representação de Natureza Externa, proposta pela empresa Sal Aluguel de Carros Ltda, em desfavor da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso,sob a responsabilidade do Senhor Clodoaldo Aparecido Gonçalves de Queiroz, Defensor Público-Geral.
E, no MÉRITO, nos termos do artigo 90, II, da Resolução 14/2007, julgo-as PROCEDENTES com determinações à atual gestão da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso, para que:
I) se abstenha de exigir alvará de funcionamento e/ou localização na fase de habilitação dos processos licitatórios, sem qualquer justificativa e/ou comprovação de sua relevância para o certame;
elabore normativo estabelecendo método consistente para elaboração de estimativas de quantidade de bens e serviços a serem contratados, a fim de orientar as equipes de planejamento das futuras contratações, inclusive nos casos de licitação para formação de registro de preços;
realize estudo técnico preliminar na fase de planejamento das contratações para definir a quantidade de bens e serviços a serem licitados por meio de técnicas adequadas de estimativa devidamente documentadas em processo administrativo;
IV) expeça diretrizes às unidades administrativas responsáveis pela definição das unidades e quantidades de bens e serviços a serem adquiridas pela Defensoria Pública, para que se abstenham de demandar a contratação de bens e serviços destinados aos Membros e servidores já indenizados por verbas de natureza indenizatória instituídas por lei, de forma a evitar a realização de despesas ilegítimas e/ou em duplicidade.
Publique-se.
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¹ MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo, Malheiros 2002