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No setor público, custo sem caixa é um tiro pela culatra

13/05/2025

Contabilidade de custos é ferramenta estratégica para avaliar a eficiência do gasto público e subsidiar decisões gerenciais.

Após realizar o Exame de Qualificação Técnica, promovido pelo Conselho Federal de Contabilidade, e participar de um curso de capacitação ministrado por um renomado professor de contabilidade e finanças públicas, fui impactado por uma frase dita em aula sobre custos no setor público. A afirmação do professor que me instigou e serviu como ponto de partida para escrever as reflexões que apresento nas linhas que seguem.

Nos últimos anos, diversos entes da administração pública têm buscado adotar práticas modernas de gestão inspiradas na iniciativa privada. Uma dessas práticas é a contabilidade de custos, ferramenta estratégica para avaliar a eficiência do gasto público e subsidiar decisões gerenciais.

Contudo, essa tentativa de modernização – que para a iniciativa privada é habitual – esbarra em uma fragilidade básica e recorrente: a dificuldade do setor público em implantar o controle efetivo do caixa e equivalentes de caixa, conforme evidenciado nos balanços patrimoniais.

Fazendo um paralelo com a iniciativa privada, seria o mesmo que um pequeno comerciante, que não sabe quanto tem no caixa ao fim do dia, contratar uma consultoria de custos para apurar o custo médio de cada item vendido.

Parece absurdo o exemplo? Pois é exatamente isso que acontece em muitos órgãos públicos. Fala-se em implementar sistemas de apuração de custos, enquanto o balanço patrimonial revela inconsistências graves nos saldos de caixa e equivalentes de caixa.


As duas contas do nosso exemplo, são contas básicas que deveriam ser absolutamente controladas e auditáveis, mas, pelo contrário, muitas vezes são maquiadas com o objetivo de mascarar informações, visando apresentar melhores indicadores, que na verdade não condiz com a realidade.

Na iniciativa privada, a lógica é inflexível. Se o caixa não fecha, há demissão, reestruturação, e até falência. No setor público, no entanto, esse rigor é substituído por burocracias, apadrinhamentos, relatórios inconsistentes e, muitas vezes, pela ausência de responsabilização do gestor e do profissional da contabilidade.

A contabilidade de custos é um instrumento de apoio à gestão, não um fim em si mesma, ou seja, sua utilidade reside em melhorar a gestão, e não apenas em registrar dados.

Conforme estabelece a NBC TSP 34, a informação de custos no setor público deve ser baseada em dados confiáveis e deve considerar a finalidade da prestação de serviços à sociedade, observando os princípios da fidedignidade e da relevância. A norma que substitui a antiga NBC T 16.11, veio reforçar que a informação de custo deve refletir a realidade orçamentária, financeira e patrimonial da entidade pública.

A Norma, em seu item 28, trata da implementação de um sistema de apuração de custos por centro de responsabilidade. No entanto, essa implementação sem dados financeiros confiáveis, torna-se a análise de custos inconsistente e sem importância. No setor público, essa incoerência é ainda mais grave, pois envolve recursos do povo.

Assim, tentar implementar sistemas de custos em ambientes onde os registros de caixa são frágeis, os processos de conciliação bancária são falhos e os controles internos são deficientes equivale a tentar erguer as paredes da casa que possui alicerce podre.

Nesse sentido, a Lei de Responsabilidade Fiscal reforça essa necessidade ao exigir, em seu artigo 50, que a contabilidade evidencie de forma adequada os atos e fatos da gestão fiscal, o resultado dos fluxos financeiros, incluindo a manutenção de sistema de custos que permita a avaliação e o acompanhamento da gestão orçamentária, financeira e patrimonial.

No entanto, a prática ainda está distante desse ideal. Diversos relatórios de controle interno e auditorias de tribunais de contas indicam inconsistências nos registros de caixa, ausência de conciliações regulares e informações patrimoniais incompletas. São informações básicas ou complexas que em muitos casos seja, por dolo ou imperícia, são ocultadas dos demonstrativos contábeis.

Essa realidade impõe uma reflexão necessária para contadores públicos e gestores: é viável falar em apuração de custos confiável quando nem o saldo de caixa é controlado adequadamente?

A resposta exige priorização do essencial. Pois, antes de investir em metodologias mais sofisticadas, desembolsar milhares de reais em sistemas informatizados é preciso consolidar os fundamentos da contabilidade pública.

Dentre eles, o controle rigoroso e tempestivo do caixa e equivalentes de caixa, conciliações bancárias documentadas, registro patrimonial fidedigno e auditável e estrutura mínima de controle interno contábil; estrutura inexistente na maioria dos órgãos públicos.

Somente a partir desse sólido alicerce é que o investimento em sistemas de custos se tornará efetivo, útil e coerente com os princípios da boa gestão pública. Queremos medir a eficiência de um serviço público? Ótimo. Mas antes, é necessário saber quanto realmente se gastou e se os valores estão devidamente registrados e transparentes, pois o gestor deve abrir os olhos, dado que a sociedade está cada vez mais vigilante.

Sem sombra de dúvidas, a contabilidade de custos aplicada ao setor público é um passo relevante para a melhoria da prestação de serviços, mas deve vir depois da arrumação da casa. Pois não é razoável ter casa de palha com vitrais Tiffany.

Que possamos refletir! Portanto, ignorar esse fato é insistir em soluções sofisticadas sobre uma base frágil. É como ensina o renomado professor, “estão investindo no supérfluo e jogando o essencial para debaixo do tapete.” Onde o essencial é o caixa e equivalentes de caixa e o supérfluo a implantação de custos.




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Claiton Cavalcante

Contador, Membro do Instituto dos Contadores do Brasil e da Academia Mato-Grossense de Ciências Contábeis.