Detalhes do processo 1792776/2024 :: Tribunal de Contas - MT

Consulta de Processos

Protocolo nº 1792776/2024
1792776/2024
294/2025
DECISAO SINGULAR
NÃO
NÃO
02/06/2025
03/06/2025
02/06/2025
JULGAR PROCEDENTE


JULGAMENTO SINGULAR Nº 294/JCN/2025
PROCESSO:                        179.277-6/2024
ASSUNTO:                            REPRESENTAÇÃO DE NATUREZA EXTERNA
PRINCIPAL:                          PREFEITURA MUNICIPAL DE NOVA MARILÂNDIA          
REPRESENTANTE:              3S ASSESSORIA, CONSULTORIA E COMÉRCIO LTDA
RESPONSÁVEIS:                 JEFFERSON NOGUEIRA SOUTO – PREFEITO
PEDRO PAULO CARVALHO FERREIRA – AGENTE DE CONTRATAÇÃO
RELATOR:                            CONSELHEIRO JOSÉ CARLOS NOVELLI
Trata-se de Representação de Natureza Externa apresentada pela 3S Assessoria, Consultoria e Comércio Ltda em face da Prefeitura do Município de Nortelândia, apontando supostas irregularidades no Processo de Dispensa de Licitação n. 006/2024, destinado à “contratação de empresa para prestação de serviços de assessoria de forma geral quanto à articulação de assuntos de interesse da Prefeitura Municipal em órgãos governamentais e assessoria direta ao Prefeito na cidade de Cuiabá-MT”.
Segundo o requerimento inicial, o aviso de dispensa de licitação estipulou que as propostas deveriam ser entregues fisicamente na sede da Prefeitura, no início do expediente do órgão, às oito horas da manhã, o que teria restringido a competitividade do processo de contratação.
Além disso, a postulante afirmou ter apresentado, por meio de e-mail endereçado à Prefeitura antes da abertura da sessão pública, proposta inferior em R$ 11.000,00 (onze mil reais) àquela apresentada pela empresa contratada, sendo, entretanto, ignorada.
Questionou, ainda, a razoabilidade da contratação de uma empresa sediada em Arenápolis para prestar serviços em Cuiabá.
Com fundamento em ilegalidade e risco de lesão ao erário, a postulante solicitou a concessão de tutela de urgência para a suspensão da contratação, e, no mérito, a aplicação de multa aos responsáveis.
Em defesa preliminar [1], o Prefeito, Sr. Jefferson Nogueira Souto, e o Agente de Contratação, Pedro Paulo Carvalho Ferreira, afirmaram que o aviso de dispensa de licitação informou adequadamente o horário, a data e a forma de entrega das propostas, argumentando que cabia à representante impugnar o documento em caso de discordância, nos moldes do art. 164 da Lei n. 14.133/2021, o que não foi realizado.
Alegaram que a postulante descumpriu as exigências do edital, que demandava a entrega física da proposta na sede da Prefeitura até as 8 horas do dia 02/02/2024, tendo apresentado a proposta via e-mail apenas 1 minuto antes da abertura da sessão pública, tendo o agente de contratação tomado conhecimento somente às 12 horas do mesmo dia.
Argumentaram que as exigências eram necessárias para "preservar o sigilo dos documentos", destacando que o período estipulado para a apresentação das propostas não configuraria restrição indevida, pois respeitado o prazo mínimo de 3 dias úteis entre a publicação do aviso de dispensa e a realização da sessão pública.
Com essa narrativa, os responsáveis requereram a inadmissibilidade da representação ou, subsidiariamente, o indeferimento da tutela de urgência. No mérito, defenderam a improcedência e o não cabimento de multa, argumentando que não houve má-fé ou dolo.
Por meio do Julgamento Singular n. 126/JCN/2024[2], admiti a representação e deferi a tutela de urgência, determinando à Prefeitura de Nova Marilândia que promovesse a imediata suspensão da contratação relativa ao Aviso de Dispensa de Licitação n. 006/2024 e atos correlatos, até o julgamento de mérito, sob pena de multa diária; decisão homologada pelo Plenário, nos termos do Acórdão n. 135/2024 – PP.
A 5ª Secretaria de Controle Externo (SECEX) elaborou Relatório Técnico para Manifestação Prévia [3] apontando a seguinte irregularidade:
1) GB03 LICITAÇÃO_GRAVE_03. Constatação de especificações excessivas, irrelevantes ou desnecessárias que restrinjam a competição do certame licitatório (artigos 12, VI, e 17, § 2º, da Lei nº 14.133/2021).
1.1) Inclusão de cláusula restritiva no edital da Dispensa de Licitação nº 6/2024 sem justificativa idônea para que os licitantes apresentassem propostas apenas pelo meio físico, ignorando a apresentação por meios digitais.
Responsáveis: Jefferson Nogueira Souto (Prefeito) e Pedro Paulo Carvalho Ferreira (Agente de Contratação);
Em manifestação prévia conjunta [4], os responsáveis noticiaram o cumprimento de decisão cautelar e negaram restrição à competitividade ou vedação a propostas eletrônicas no edital. Justificaram que a proposta da representante, embora enviada por e-mail momentos antes da sessão, somente foi recebida horas após o encerramento, por questões alheias à Administração, impedindo a análise. Asseveraram que o processo de contratação teve a necessária publicidade e que não houve dolo ou má-fé, requerendo, ao final, o arquivamento ou a improcedência da representação, sem aplicação de sanções.
Inicialmente, a SECEX apresentou Relatório Técnico Conclusivo [5] no qual, embora tenha sugerido o saneamento da irregularidade – por entender que não houve despesa e que os vícios foram corrigidos em processos de contratação posteriores – propôs a procedência da representação e a expedição de determinação à Administração Municipal para que não mais restringisse a apresentação de propostas por meio eletrônico.
O Ministério Público de Contas formulou pedido de diligência [6], requerendo a citação dos responsáveis para a apresentação de defesa, o que foi deferido por este Relator [7].
Após citação, os responsáveis apresentaram defesas idênticas [8], reiterando os argumentos da manifestação prévia e destacando a constatação da unidade técnica, consignada no relatório conclusivo, de que os defeitos ora analisados foram sanados nos processos de contratação subsequentes. Ao final, pugnaram pela inadmissibilidade da representação ou, no mérito, por sua improcedência.
A SECEX apresentou Relatório Técnico Complementar [9], retificando o posicionamento anterior para sugerir a improcedência da representação, ao fundamento de que o vício foi sanado pela Administração nos editais posteriores.
No Parecer n. 839/2025, subscrito pelo Procurador Getúlio Velasco Moreira Filho [10], o Ministério Público de Contas divergiu da unidade técnica, opinando pela manutenção da irregularidade. Sustentou que a restrição à competitividade, pela não admissão de propostas por meios eletrônicos, configurou erro grosseiro, não sanado por eventuais correções em procedimentos posteriores. Defendeu, entretanto, não ser razoável a aplicação de sanção.
Em conclusão, o órgão ministerial opinou pela expedição de determinações para que a Prefeitura de Nova Marilândia providencie a anulação da fase de exame das propostas, bem como o contrato celebrado com base no processo de dispensa, além de assegurar a adoção da forma eletrônica em futuros processos de contratação.
É o relatório.
Decido.
Inicialmente, a matéria em exame comporta julgamento singular, nos termos do art. 97, III, do Regimento Interno deste Tribunal de Contas (RITCE)[11].
A admissibilidade da presente representação já foi reconhecida em decisão singular anterior, cujo teor ratifico nesta oportunidade.
Quanto à matéria de fundo, após análise minuciosa dos argumentos e documentos apresentados nos autos, alinho-me integralmente ao posicionamento do Ministério Público de Contas pela manutenção da irregularidade.
Em primeiro lugar, há nítida inovação e contradição na defesa dos responsáveis. Embora tenham alegado, durante a instrução, a inexistência de restrição à entrega de propostas eletrônicas, os agentes afirmaram expressamente, antes da análise da tutela de urgência, que as propostas deveriam ser entregues exclusivamente de forma presencial, às 8 horas da manhã, na sede da Prefeitura, em envelopes lacrados, justificando tal exigência pelo suposto sigilo necessário às propostas, conforme excerto a seguir:

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Tais justificativas foram devidamente rechaçadas no Julgamento Singular n. 126/JCN/2024. Conforme pontuado na referida decisão, se o art. 12, VI, da Lei nº 14.133/2021 estabelece a preferência pelo formato eletrônico nos processos licitatórios, com maior razão e amplitude essa modalidade deve ser empregada nos processos de dispensa de licitação, concebidos para conferir maior dinamismo e eficiência às contratações públicas.
A imposição de procedimento mais burocrático na contratação direta, com a exigência de entrega física de envelopes, não apenas violou o citado dispositivo legal e o princípio da eficiência, mas também restringiu indevidamente a participação de empresas não sediadas na região, potencialmente beneficiando aquelas localizadas em municípios próximos, a exemplo da própria empresa declarada vencedora.
A tese relativa ao sigilo também se revelou insubsistente, especialmente considerando que a proposta inicial, de autoria da empresa declarada vencedora, já havia sido divulgada no edital e no aviso de dispensa, não havendo, portanto, razão plausível para ocultar a autoria e o conteúdo das propostas adicionais.
Logo, o vício apontado é manifesto, até pela clareza do aviso de dispensa ao exigir a apresentação física das propostas.
Ressalto que, como já indicado no JS n. 126/JCN/2024 e no Relatório Técnico para Manifestação Prévia, além de não incluir a possibilidade de entrega de propostas na forma eletrônica, o aviso de dispensa não descreveu adequadamente o verdadeiro objeto da contratação, ora mencionando o serviço de Assessoria de Imprensa, ora apontando que envolveria "Assessoria Geral", abrangendo desde a "distribuição e protocolo de documentos” até a representação extrajudicial do Prefeito, inclusive em processos de convênios.
A descrição precisa do objeto é indispensável tanto na dispensa de licitação quanto nos processos licitatórios, como se infere dos art. 18, II e 75, §3º, da Lei n. 14.133/2021[12].
Por outro lado, a alegação de que a Administração Municipal não reproduziu o primeiro vício em procedimentos de contratação posteriores não tem o condão de afastar a irregularidade verificada no caso concreto, sobretudo porque não houve a anulação do processo de dispensa viciado, tendo a gestão optado por aguardar o término da vigência do contrato dele decorrente, atualmente suspenso.
Destaco que os vícios identificados comprometeram integralmente o processo de dispensa, pois contaminaram não apenas a fase de julgamento das propostas, mas também a etapa preparatória, inclusive o termo de referência, devido à inadequada especificação do objeto pretendido.
Assim, seja para evitar novos conflitos, seja para assegurar que eventual reiteração seja reprimida a título de reincidência, e não como mera constatação, impõe-se a manutenção do apontamento, com a expedição das devidas determinações corretivas e preventivas, tanto em relação à dispensa em análise quanto aos futuros processos de contratação.
Nesse ponto, é necessário ressaltar que, embora os Tribunais de Contas não possuam competência para anular diretamente os contratos da Administração, é amplamente reconhecida a competência de determinar que a autoridade administrativa competente o faça, como afirmado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do MS n. 23.550[13]:
I. Tribunal de Contas: competência: contratos administrativos (CF, art. 71, IX e §§ 1º e 2º). O Tribunal de Contas da União - embora não tenha poder para anular ou sustar contratos administrativos - tem competência, conforme o art. 71, IX, para determinar à autoridade administrativa que promova a anulação do contrato e, se for o caso, da licitação de que se originou. [...]
Dessarte, faz-se necessária a expedição de determinação para que a Administração Municipal promova a anulação do processo de dispensa e de eventual contrato decorrente, em observância, inclusive, à primeira parte da Súmula n. 473 do STF[14].
Outrossim, à luz dos critérios de relevância e risco previstos no art. 170, Lei n. 14.133/2021[15], bem como dos parâmetros do art. 22, §2º, da LINDB [16], tendo em conta o comportamento corretivo dos responsáveis e a inexistência de dano efetivo ao erário, acolho o posicionamento do órgão ministerial quanto à não aplicação de sanção.
Ante o exposto, acolho o Parecer n. 839/2025 do Ministério Público de Contas, subscrito pelo Procurador Getúlio Velasco Moreira Filho, e DECIDO no sentido de:
julgar procedente a Representação de Natureza Externa n. 179.277-6/2024, mantendo o Achado GB 03 do Relatório Técnico para
Manifestação Prévia, sem aplicação de sanção;
determinar à Prefeitura de Nova Marilândia, com fulcro no art. 22, II, da Lei Complementar Estadual n. 269/2007 (Lei Orgânica do TCE/MT), que:
promova a imediata anulação do Processo de Dispensa de Licitação n. 006/2024 e eventuais contratos dele decorrentes, em observância à Súmula n. 473 do Supremo Tribunal Federal, sob pena de multa diária de 20 (vinte) UPF/MT aos que derem causa ao descumprimento da determinação;
observe, nos futuros processos de licitação e de dispensa de licitação, a utilização, como regra, da modalidade eletrônica, permitindo a apresentação de propostas e documentos por meios digitais, em cumprimento aos art. 12, VI, e 17, §2º, da Lei nº 14.133/2021, com a adoção da forma presencial apenas quando suficientemente motivada;
observe, nos futuros processos de licitação e dispensa de licitação, a obrigatoriedade de especificação precisa e adequada do objeto pretendido pela Administração, conforme art. 18, II, e 75, §3º, da Lei n º 14.133/2021.
38. Publique-se.
_____________________________
Doc. 417075/2024
Doc. 418476/2024.
Doc. 452723/2024.
Doc. 457286/2024.
Doc. 553877/2024.
Doc. 556905/2024.
Doc. 558760/2024.
Doc. 572889/2025 e 572893/2025.
Doc. 583136/2025.
Doc. 584060/2025.
Art. 97. Compete, ainda, ao Relator proferir decisão, mediante julgamento singular, sobre: III - o arquivamento de representação e denúncia que não preencham os requisitos de admissibilidade, a extinção do processo sem resolução do mérito e o julgamento de processos dessas mesmas espécies, quando o parecer do Ministério Público de Contas for acolhido pelo Relator com relação ao mérito.
Art. 18. A fase preparatória do processo licitatório é caracterizada pelo planejamento e deve compatibilizar-se com o plano de contratações anual de que trata o inciso VII do caput do art. 12 desta Lei, sempre que elaborado, e com as leis orçamentárias, bem como abordar todas as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão que podem interferir na contratação, compreendidos: II - a definição do objeto para o atendimento da necessidade, por meio de termo de referência, anteprojeto, projeto básico ou projeto executivo, conforme o caso.
Art. 75. [...] § 3º As contratações de que tratam os incisos I e II do caput deste artigo serão preferencialmente precedidas de divulgação de aviso em sítio eletrônico oficial, pelo prazo mínimo de 3 (três) dias úteis, com a especificação do objeto pretendido e com a manifestação de interesse da Administração em obter propostas adicionais de eventuais interessados, devendo ser selecionada a proposta mais vantajosa.
MS 23550. Tribunal Pleno. Rel. Min. Marco Aurélio. Redator do Acórdão: Min. Sepúlveda Pertence. J. 04/04/2001. Publicação: 31/10/2001.
S. 473, STF. A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
Art. 170. Os órgãos de controle adotarão, na fiscalização dos atos previstos nesta Lei, critérios de oportunidade, materialidade, relevância e risco e considerarão as razões apresentadas pelos órgãos e entidades responsáveis e os resultados obtidos com a contratação, observado o disposto no § 3º do art. 169 desta Lei.
Art. 22. [...] § 2º Na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente.