Detalhes do processo 94790/2020 :: Tribunal de Contas - MT

Consulta de Processos

Protocolo nº 94790/2020
94790/2020
312/2020
DECISAO SINGULAR
NÃO
NÃO
27/04/2020
28/04/2020
27/04/2020
DEFERIR



JULGAMENTO SINGULAR N° 312/LCP/2020



PROCESSO N.º:                        9.479-0/2020
ASSUNTO:                        REPRESENTAÇÃO DE NATUREZA INTERNA
PRINCIPAL:                        PREFEITURA MUNICIPAL DE PRIMAVERA DO LESTE
GESTOR:                        LEONARDO TADEU BORTOLIN
REPRESENTADOS:        ADRIANO CONCEIÇÃO DE PAULA – Pregoeiro
                       CRISTIAN DOS SANTOS PERIUS – Pregoeiro
RELATOR:                        CONSELHEIRO INTERINO LUIZ CARLOS PEREIRA



Trata-se de Representação de Natureza Interna proposta pela Secretaria de Controle Externo de Contratações Públicas, com pedido de medida cautelar sem a oitiva da parte contrária, a fim de que a Prefeitura Municipal de Primavera do Leste suspenda os procedimentos relativos ao Pregão Presencial n.º 29/2020.

O objeto do aludido procedimento refere-se à “futura e eventual contratação de empresa especializada em locações de produtos para eventos (tendas, cadeiras, mesas, caixas térmicas, toalhas e tampões para mesas, capas para cadeiras, fechamento de tendas) e serviços de decoração, em atendimento às necessidades das diversas Secretarias Municipais de Primavera do Leste”.

A pretensão deduzida pela Representante funda-se na exigência realizada pelo pregoeiro, na fase de habilitação, de que os documentos a serem apresentados pelos interessados fossem originais ou cópias autenticadas, em virtude do fechamento dos cartórios e das demais restrições de mobilidade diante da pandemia do Coronavírus (COVID-19).

Relatou, ainda, que mesmo após ser consultado por empresa interessada quanto à situação excepcional, o pregoeiro afirmou que a data da sessão pública para a abertura das propostas não seria alterada, bem como não seriam aceitas fotocópias sem as respectivas autenticações.

Ressaltou que, em caso semelhante, o Conselheiro Moises Maciel, por meio do Julgamento Singular n.° 255/MM/2020, suspendeu os efeitos das exigências editalícias fundadas no artigo 32 de Lei 8.666/93, para, durante a emergência em saúde pública e o estado de calamidade, habilitar empresa licitante que apresentar documentação exigida nos instrumentos licitatórios em cópias simples, e fixar prazo hábil para que lhes apresentem, por meio eletrônico, a documentação autenticada, em razão dos meios excepcionais de trabalho dos cartórios extrajudiciais.

Pontuou, que a medida cautelar expedida aplicou-se a toda Administração Pública Estadual e Municipal de Mato Grosso, que tenha decretado estado de calamidade. Afirmou, ainda, que os gestores foram oficiados para o seu cumprimento.

Desse modo, concluiu que houve por parte da administração excessivo formalismo, em decorrência do estado de calamidade e da emergência de saúde pública declarada, caracterizando a irregularidade GB 99.

Quanto à responsabilização pela irregularidade, informou que nos termos do edital, consta como Pregoeiro o Sr. Adriano Conceição de Paula. Todavia, aduziu que as respostas foram encaminhadas pelo Sr. Cristian dos Santos Perius, que identificou-se como Pregoeiro. Assim, sugeriu a citação de ambos.

Diante disso, alegou estarem preenchidos os requisitos autorizadores da concessão da medida cautelar, quais sejam probabilidade do direito alegado e perigo de dano, requerendo a suspensão do Pregão Presencial n.º 29/2020.

É o relatório.

Decido.

Em sede de juízo de admissibilidade, com fundamento no artigo 89, IV da Resolução n.º 14/2007 (RITCE/MT), conheço da Representação de Natureza Interna, tendo em vista a observância a disposição contida no artigo 46, inciso III, da Lei Complementar n.º 269/2007, bem como o cumprimento dos requisitos previstos nos artigos 219 e 224, inciso II, alínea “a”, do RITCE/MT.

Fixados os fundamentos acerca das condições de procedibilidade, entendo adequado e pertinente enfatizar que o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Mandado de Segurança n.° 24.510-DF, da relatoria da Ministra Ellen Gracie, reconheceu a competência dos Tribunais de Contas para expedir medidas cautelares. Confira-se:

O Tribunal de Contas da União tem competência para fiscalizar procedimentos de licitação, determinar suspensão cautelar (artigos 4º e 113, § 1º e 2º da Lei nº 8.666/93), examinar editais de licitação publicados e, nos termos do art. 276 do seu Regimento Interno, possui legitimidade para a expedição de medidas cautelares para prevenir lesão ao erário e garantir a efetividade de suas decisões). 3 - A decisão encontra-se fundamentada nos documentos acostados aos autos da Representação e na legislação aplicável (DJU de 19/03/2004, p. 18, Tribunal Pleno).

De acordo com o entendimento ventilado pela Ministra Ellen Gracie, o uso de medidas cautelares é inerente ao exercício das atribuições delegadas constitucionalmente aos Tribunais de Contas, sendo-lhes um instrumento válido e, muitas vezes, até mesmo indispensável, para evitar a frustração de sua atuação.

Na ocasião do julgado em cotejo, o Ministro Cezar Peluso em seu voto salientou que “é melhor prevenir do que remediar” e o Ministro Celso de Mello teceu os seguintes comentários que antecederam sua posição:

É que esse procedimento mostra-se consentâneo com a própria natureza da tutela cautelar, cujo deferimento, pelo Tribunal de Contas, sem a audiência da parte contrária, muitas vezes se justifica em situação de urgência ou de possível frustração da deliberação final dessa mesma Corte de Contas, com risco de grave comprometimento para o interesse público (...). Essa visão do tema tem o beneplácito de autorizado magistério doutrinário, que, embora exposto a propósito do processo judicial, traduz lição que se mostra inteiramente aplicável aos procedimentos administrativos, notadamente àqueles instaurados perante o Tribunal de Contas, considerando-se, para esse efeito, os princípios e diretrizes que regem a teoria geral do processo (...). Daí a possibilidade, ainda que excepcional, de concessão, sem audiência da parte contrária, de medidas cautelares, por deliberação do Tribunal de Contas, sempre que necessárias à neutralização imediata de situações de lesividade, atual ou iminente, ao interesse público (...).

À luz dessas considerações preliminares, passo a apreciar se, no caso em comento, estão preenchidos os requisitos justificadores da concessão da tutela cautelar, quais sejam, a probabilidade do direito alegado e o perigo da demora ou o risco ao resultado útil do processo, conforme exigido pelo artigo 300 do Código de Processo Civil.

A irresignação da Representante é dirigida à exigência de apresentação dos documentos originais ou de cópias autenticadas pelos interessados, na fase de habilitação do certame, em que pese a excepcionalidade causada pela pandemia do Coronavírus (COVID-19).

Em consulta ao edital do Pregão Presencial n.º 29/2020, realizado pelo Município de Primavera do Leste, do tipo menor preço por lote, para futura e eventual contratação de empresa especializada em locações de produtos para eventos e serviços de decoração, constato a referida exigência.

Entrevejo, ainda, dos documentos colacionados pela Equipe Técnica, que em 26/03/2020, uma empresa interessada na participação do certame solicitou esclarecimento à Comissão Permanente de Licitação quanto à aceitação de cópias simples, uma vez que os cartórios estavam fechados.

Em resposta, o Sr. Cristian dos Santos Perius, Pregoeiro, resumidamente, afirmou que (Doc. Digital n.º 63910/2020):

“Portanto, a fim de garantir maior segurança ao certame, e, como já é de praxe deste órgão, não serão aceitos aqueles documentos apresentados somente na forma de cópia simples, sendo assim solicitamos que a empresa se adeque a fim de cumprir ao disposto no edital, pois, de maneira flexível esta Prefeitura já traz a possibilidade de que sejam os documentos autenticados por servidor competente”.

Não obstante, em consulta a Ata da Sessão Pública realizada no dia 01/04/2020, infiro das observações constantes que foi dispensada a comprovação de reconhecimento de firma ou qualquer outro documentos autenticado, uma vez que os órgãos competentes para tanto encontravam-se fechados.

Tal situação apresenta-se como hipótese de possível violação à ampla participação na disputa licitatória, pois quando questionada acerca da dispensa dos referidos documentos, respondeu negativamente.

A se ver, o questionamento da Representante, aparenta ser pertinente, de modo a demonstrar a suposta violação ao direito de potenciais licitantes participarem do certame, que não tinham condições de apresentarem os documentos autenticados, até então exigidos para habilitação.

Ademais, como bem pontuou a Equipe Técnica, analisando caso semelhante, o Conselheiro Interino Moises Maciel, por meio do Julgamento Singular n.° 255/MM/2020, publicado em 01/04/2020, decidiu:

Concluo, portanto, pelo deferimento da medida cautelar na presente Denúncia, com base no artigo 297 do RITCE-MT, para SUSPENDER os efeitos das exigências editalícias fundadas no artigo 32 da Lei Federal nº 8666/93, para, durante a emergência em Saúde Pública, o estado de calamidade decorrente da COVID-19, HABILITAR a empresa licitante que apresentar documentação exigida nos Instrumentos Licitatórios em cópias simples, e FIXAR prazo hábil para que lhes apresentem, por meio eletrônico, a documentação autenticada, considerando os meios excepcionais de trabalho dos Cartórios Extrajudiciais, conforme previsão da Portaria nº 29/2020.

Diante disso, é possível observar que a exigência do edital para apresentação de documentos autenticados na fase de habilitação, durante a emergência em saúde pública e o estado de calamidade, constituí uma restrição na participação dos interessados na licitação.

Sob esse prisma, procura-se resguardar os princípios da isonomia e da ampla competitividade, visando assegurar, desse modo, a eficiência e a economicidade da contratação.

Aplicando essas considerações ao caso em tela, constato aparente violação das normas principiológicas acima mencionadas por parte do Município de Primavera do Leste.

Portanto, em sede de cognição sumária, vislumbro a presença de indícios de irregularidades no procedimento licitatório promovido pelo Prefeitura Municipal de Primavera do Leste, dando peso à probabilidade do direito em relação aos fatos apontados na inicial desta Representação (fumus boni iuris).

Ademais, verifico a presença do presssuposto relativo ao perigo do dano ou risco ao resultado útil do processo (periculum in mora), uma vez que as ilegalidades do certame, caso confirmadas no mérito, têm o condão de induzir à nulidade do Pregão Presencial n.º 29/2020, e quanto mais atos nulos se propagarem, mais atos demandarão anulação futura, conforme dispõe o § 2º, do artigo 49, da Lei 8.666/93, que prevê que a nulidade do procedimento licitatório induz a do contrato.

Assim, em vista desse cenário de incerteza fática, a alternativa que melhor resguarda o interesse público é a concessão da providência cautelar pretendida, de modo a suspender a prática de quaisquer outros atos decorrentes do certame.

Em uma de suas célebres obras, Celso Antônio Bandeira de Mello anota que, as medidas cautelares se destinam a "prevenir danos sérios ao interesse público ou à boa ordem administrativa", e, não possuem a finalidade de intimidar ou punir infratores, mas, sim, "a de paralisar comportamentos de efeitos danosos ou de abortar a possibilidade de que se desencadeiem".

Nesse sentido, imperioso destacar o entendimento da jurisprudência, sintetizada na seguinte ementa:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – EDITAL LICITATÓRIOAUSÊNCIA DE OBSERVÂNCIA DE PRINCÍPIOS – IMPOSSIBILIDADE – RECURSO IMPROVIDO 1 - A impossibilidade legal de se exigir qualquer ação de cunho eliminatório ou classificatório pertinente às licitações, tornam nulos todos os atos a este subseqüentes, maculando sobremaneira os princípios administrativos. 2 – Recurso improvido (TJES, Agravo de Instrumento 09000044520088080030, 3ª Câmara Cível, Data de Publicação: 08/05/2008).

Nos termos do artigo 300 do Regimento Interno deste Tribunal de Contas, a medida cautelar de sustação de ato, quando incidir sobre edital de licitação, impede a abertura ou o prosseguimento do certame. Esta norma regimental visa evitar prejuízos à segurança jurídica das relações, tendo em vista que a nulidade do procedimento é proporcionalmente mais grave quanto maior for o número de atos praticados no decorrer do processo licitatório viciado.

Ressalto que a concessão da vertente cautelar, com base no artigo 297, caput e incisos II e III, do Regimento Interno desta Corte, não trará danos irreversíveis aos Representados (periculum in mora inverso), posto que os efeitos decorrentes do provimento acautelador poderão, sem prejuízo, ser justificadamente suspensos ou revistos a qualquer tempo, bem como serão objeto da análise meritória dos fatos subjacentes.

Diante do exposto, conheço desta Representação de Natureza Interna e, com base no exercício do poder de cautela e no artigo 82 da Lei Complementar n.º 269/2007, c/c artigos 89, caput e incisos I, IV, VIII, XIII e XV; 297, caput e § 1º; 298, incisos III e IV; e 300, todos do Regimento Interno desta Corte de Contas, reconheço a existência dos requisitos da probabilidade do direito e do perigo na demora, inclusive inverso, e concedo a medida cautelar pleiteada, para o fim de:

I) Determinar a imediata notificação da Prefeitura Municipal de Primavera do Leste, na pessoa de seu Gestor, Sr. Leonardo Tadeu Bortolin, para que suspenda imediatamente a continuidade do procedimento licitatório relativo ao Pregão Presencial n.º 29/2020, no estado em que se encontra, devendo se abster ou permitir que se pratique(m) quaisquer novos atos, bem como em relação ao contrato dele resultante, até a decisão de mérito por parte deste Tribunal, advertindo-o que, no caso de desobediência, estará sujeita à multa diária no montante de 10 UPF's/MT, nos termos do artigo 297, §1º, do RTICE-MT;

II) Citar os Pregoeiros, Sr. Adriano Conceição de Paula e Sr. Cristian dos Santos Perius, a fim de que seja assegurado o direito de defesa sobre os fatos apontados no Relatório Técnico Preliminar, no prazo máximo de 15 (quinze) dias, como determina o artigo 61, §2º da Lei Complementar 269/2007.

Alertem-se que o descumprimento do prazo estipulado implicará em revelia para todos os efeitos processuais, conforme dispõe o artigo 6º, parágrafo único, da Lei Complementar nº. 269/2007.

Expeça-se, para tanto, o necessário, nos termos regimentais.

Dê-se prioridade de tramitação a este processo, na forma do que prescreve o inciso IV, do artigo 138, do RI/TCE-MT.

Oficie-se e publique-se.