PRINCIPAL: PREFEITURA MUNICIPAL DE PRIMAVERA DO LESTE
GESTOR: LEONARDO TADEU BORTOLIN
REPRESENTADOS: ADRIANO CONCEIÇÃO DE PAULA – Pregoeiro
CRISTIAN DOS SANTOS PERIUS – Pregoeiro
RELATOR: CONSELHEIRO INTERINO LUIZ CARLOS PEREIRA
Trata-se de Representação de Natureza Interna proposta pela Secretaria de Controle Externo de Contratações Públicas, com pedido de medida cautelar, para suspender o Pregão Presencial n.º 29/2020, promovido pelo Município de Primavera do Leste.
O objeto do aludido procedimento refere-se à futura e eventual contratação de empresa especializada em locações de produtos para eventos (tendas, cadeiras, mesas, caixas térmicas, toalhas e tampões para mesas, capas para cadeiras, fechamento de tendas) e serviços de decoração.
A Representante alegou a existência de irregularidade no certame em razão da exigência realizada pelos pregoeiros, na fase de habilitação, de que os documentos a serem apresentados pelos interessados fossem originais ou cópias autenticadas, apesar do fechamento dos cartórios e das demais restrições de mobilidade diante da pandemia da Covid-19.
Desse modo, concluiu que houve por parte da administração excessivo formalismo, em decorrência do estado de calamidade e da emergência de saúde pública declarada, caracterizando a irregularidade GB 991, sob responsabilidade dos Srs. Adriano Conceição de Paula e Cristian dos Santos Perius, ambos Pregoeiros.
Por meio de Julgamento Singular n.° 312/LCP/2020, recebi a Representação, e determinei, cautelarmente, à Prefeitura Municipal de Primavera do Leste, na pessoa de seu Gestor, Sr. Leonardo Tadeu Bortolin, que se abstivesse de praticar ou permitir que se praticassem quaisquer novos atos inerentes ao Pregão Presencial n.º 29/2020, bem como em relação ao contrato dele resultante, até a decisão de mérito por parte deste Tribunal, sob pena de multa diária de 10 UPFs/MT (Doc. Digital n.º 64458/2020).
Em cumprimento ao § 3º do artigo 297 do RITCE/MT, o Ministério Público de Contas, mediante o Parecer n.° 2.801/2020, da lavra do Procurador de Contas William de Almeida Brito Júnior, coadunou com a conclusão deste Relator, manifestando-se pela homologação da medida cautelar.
Posteriormente, na data de 14/05/2020, por meio do Acórdão n.º 74/2020- TP, o Tribunal Pleno homologou a referida medida cautelar (Doc. Digital n.º 148837/2020).
Devidamente citados, os Representados sustentaram que na data da abertura do certame 04 empresas compareceram para disputa da licitação, sendo duas do Município de Cuiabá, uma de Poxoréo e uma de Primavera do Leste, o que, segundo entendem, não privilegiou aos licitantes cuja sede encontrava-se no Município.
Além disso, sustentaram que foi possibilitado aos licitantes a autenticação dos documentos pelo servidor municipal, in loco, no ato da habilitação, de modo a suprir a ausência de autenticação em cartório.
Afirmaram, ainda, que em observância às orientações expedidas por este Tribunal no Relatório Técnico n.º 14/2020, dispensou-se a comprovação de reconhecimento de firma ou qualquer outro documento que necessitasse de autenticação, em decorrência da pandemia.
Por fim, em observância aos princípios da competitividade, isonomia e da vinculação ao instrumento convocatório, informaram que procederam com a suspensão do procedimento licitatório e, por esse fundamento, requereram a extinção do processo sem julgamento de mérito pela perda do objeto.
Ato contínuo, a Equipe Técnica emitiu Relatório de Defesa opinando pela manutenção da irregularidade, contudo sem aplicação de multa aos Representados (Doc. Digital n.º 193790/2020).
O Ministério Público de Contas, por meio do Parecer n.º 4.688/2020, da lavra do Procurador de Contas William de Almeida Brito Júnior, opinou pelo conhecimento desta Representação de Natureza Interna, e, no mérito, por sua improcedência, com expedição de recomendação.
É o relatório.
Decido.
Prefacialmente, destaco que a matéria examinada nos autos comporta Julgamento Singular, na forma do artigo 90, inciso II, da Resolução n.º 14/2007 RITCE/MT.
Preenchidos os requisitos legais, reitero o juízo positivo de admissibilidade desta Representação de Natureza Interna, tendo em vista a observância ao disposto no artigo 46 da Lei Complementar n.º 269/2007 e no artigo 224, II, alínea “a” da Resolução n.º 14/2007.
Antes de adentrar ao mérito desta Representação, embora os Representados não tenham formalmente arguido preliminar de perda do objeto, extraise das defesas a alegação de que “dado o encerramento do procedimento licitatório […] requer o arquivamento do presente procedimento por perda do objeto” (Doc. Digitaln.º 73698/2020 e 73701/2020).
Desse modo, enfrento à alegada preliminar de perda do objeto.
Em análise dos documentos colacionados pelos Pregoeiros, verifico a informação de que o Pregão Presencial n.º 029/2020, objeto desta Representação de Natureza Interna, encontra-se suspenso por determinação da Administração.
Em consulta ao site da Prefeitura Municipal de Primavera do Leste, verifico do Termo de Suspensão do Pregão Presencial n.º 029/2020, referência expressa ao termo “suspensão temporária”.
Desse modo, a análise consiste em determinar se a suspensão temporária do Pregão Presencial é razão suficiente para a perda do objeto desta Representação de Natureza Interna.
Como é cediço, a doutrina processual há muito entende que o direito de ação somente pode ser exercido dentro de certos parâmetros (condições da ação) e, embora haja controvérsia doutrinária sobre quais seriam essas, o artigo 17 do Código de Processo Civil deixa antever pelo menos duas delas, ao estabelecer que "para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade".
O interesse de agir, por sua vez, se caracteriza a partir de duas perspectivas. De um lado, busca-se averiguar a real necessidade de provocação do órgão julgador para a solução da controvérsia; por outro, intenta-se observar se o julgamento trará alguma utilidade efetiva para o pleiteante.
Nessa toada, a "perda do objeto" será observada nos casos em que, embora o interesse de agir estivesse inicialmente configurado, a ocorrência de fato superveniente vem a fulminar a utilidade ou a necessidade na tramitação do processo.
Para tais situações, a solução dada pelo ordenamento processual é a extinção do feito sem a resolução de seu mérito, nos termos do artigo 485, VI, do CPC.
À vista disso, tenho firmado entendimento que a anulação do certame pela Administração, adotada antes do início da instrução processual, pode culminar por esvaziar a necessidade de análise meritória, pois a função corretiva e pedagógica da jurisdição deste Tribunal foi satisfatoriamente exercida, porque permitiu ao jurisdicionado, por sua própria iniciativa, agir positivamente no sentido de regularizar os atos viciados.
No entanto, no caso dos autos, a Administração suspendeu temporáriamente o procedimento licitatório, de modo que será necessário o pronunciamento desta Corte sobre a irregularidade apontada pela Representante.
Por esse fundamento, concluo por rejeitar a preliminar de perda do objeto arguida pelos Representados.
Estabelecidas essas premissas, tem-se que a cognição exauriente deste processo envolve um ponto central, qual seja, excesso de formalismo na condução do certame ao exigir a apresentação de documentos originários ou autenticados das empresas interessadas, mesmo com medidas de restrições causadas pela Covid-19.
Por tal razão, a Secex de Contratações Públicas concluiu pela ocorrência da irregularidade GB 99, sob responsabilidade dos Srs. Adriano Conceição de Paula e Cristian dos Santos Perius, ambos Pregoeiros.
Considero pertinente destacar que a Prefeitura Municipal de Primavera do Leste tornou público o Edital do Pregão Presencial n.º 29/2020 em 17/03/2020, com data prevista para realização da Sessão Pública em dia 01/04/2020 às 10:00 horas.
Nos termos do item 11.5 do edital o “envelope referente aos documentos de habilitação deverá conter os documentos em originais atualizados, ou cópia de cada documento, individualmente autenticada, ou ainda, cópias simples autenticadas pelo (a) Pregoeiro (a) ou sua Equipe de Apoio, não se aplicando aos documentos que puderem ser extraídos via internet”.
É certo que em tempos de normalidade, a exigência realizada pela Comissão de Licitação para habilitação encontra amparo no artigo 32 da Lei de Licitação.
Todavia, em 20 de março de 2020 o Congresso Nacional reconheceu a situação de calamidade decorrente da “emergência de saúde pública de importância internacional relacionada ao coronavírus (Covid-19)”, nos termos do Decreto Legislativo n.º 06.
De igual modo, o Governo do Estado de Mato Grosso, por meio do Decreto n.° 424, de 25 de março de 2020, declarou “estado de calamidade pública no âmbito da Administração Pública e Estadual, em razão dos impactos socio-econômicos e financeiros decorrentes da pandemia causada pelo agente Coronavírus”.
Nesse contexto fático, desnecessário afirmar que a população brasileira vivenciava um temor generalizado relacionado ao crescimento da pandemia. Tal situação levou diversas entidades públicas e particulares a tomarem medidas de “distanciamento social”, a exemplo da suspensão das atividades presenciais deste Tribunal, oportunamente determinada pela Presidência conforme a Portaria 044/2020.
De igual modo, a Corregedoria Geral de Justiça, por meio da Portaria n.º 29/20207, de 23 de março de 2020, havia suspendido o atendimento presencial ao público pelas serventias extrajudiciais do Estado de Mato Grosso, como forma de prevenção ao contágio da Covid-19.
À vista disso, enfrentando situação semelhante ao caso dos autos, o Conselheiro Interino Moisés Maciel, por meio do Julgamento Singular n.º 255/2020, suspendeu os efeitos das exigências editalícias fundadas no artigo 32 de Lei 8.666/93, para, durante a emergência em saúde pública e o estado de calamidade, habilitar empresa licitante que apresentar documentação exigida nos instrumentos licitatórios em cópias simples, e fixar prazo hábil para que lhes apresentem, por meio eletrônico, a documentação autenticada, em razão dos meios excepcionais de trabalho dos cartórios extrajudiciais.
No caso dos autos, observo que, em 26/03/2020, uma empresa interessada na participação do certame solicitou esclarecimento à Comissão Permanente de Licitação quanto à aceitação de cópias simples, uma vez que os cartórios estavam fechados, todavia a resposta do pregoeiro foi pela sua impossibilidade.
Não obstante, em consulta à Ata da Sessão Pública realizada no dia 01/04/2020, verifiquei das observações constantes que foi dispensada a comprovação de reconhecimento de firma ou qualquer outro documento autenticado, uma vez que os órgãos competentes para tanto encontravam-se fechados.
Tem-se, portanto, que no dia da abertura da sessão pública foi procedida alteração no edital.
Infiro, portanto, que a irregularidade inicialmente apontada pela Equipe Técnica não ocorreu, uma vez que foi dispensada a apresentação de documentos autenticados quando da abertura da sessão.
Por outro lado, é certo que a atuação dos Pregoeiros demonstra, em tese, uma violação ao direito de potenciais licitantes participarem do certame, que não teriam condições de apresentarem os documentos autenticados, até então exigidos para habilitação, em razão da modificação dos termos do edital sem que fosse dado publicidade.
Sobre o tema, destaco que o parágrafo 4º do artigo 21 da Lei de Licitações, dispõe: “qualquer modificação no edital exige divulgação pela mesma forma que se deu o texto original, reabrindo-se o prazo inicialmente estabelecido, exceto quando, inquestionavelmente, a alteração não afetar a formulação das propostas”.
Em que pese a licitação ser na modalidade Pregão Presencial, a norma supracitada deve ser aplicada subsidiariamente ao caso, em razão do artigo 9º da Lei 10.520/2002.
Ademais, ressalto que o Decreto Estadual n.º 840/2017, que regulamenta as modalidades licitatórias no estado de Mato Grosso, disciplina em seu artigo 25 e parágrafos 1º e 2º:
Art. 25. Poderão ser apresentados pedidos de esclarecimentos, de
providências ou impugnações sobre licitações na modalidade Pregão,
desde que encaminhadas por meio eletrônico ou fisicamente ao órgão ou
entidade promotor da licitação até o terceiro dia útil que anteceder a sessão
do Pregão.
§ 1º Caberá ao Pregoeiro decidir até o dia útil anterior à data de abertura da
sessão de licitação.
§ 2º Acolhida a petição de impugnação e/ou de pedido de esclarecimento,
será designada nova data para a realização do certame se ocorrer
modificação no Edital e seus anexos, devendo ser cumprido o devido prazo
legal entre a publicação e a sessão, exceto quando, inquestionavelmente, a
alteração não afetar a formulação das propostas.
Extrai-se dos dispositivos supracitados que, havendo modificação dos termos do edital, deve ser reaberto o prazo de publicação, de modo que a exceção reside, inquestionavelmente, na alteração que não afete a formulação das propostas.
A fim de aclarar essa temática, trago à consideração o magistério de Marçal Justen Filho1:
"(...) o dispositivo tem de ser interpretado segundo o princípio da
razoabilidade. Em princípio, toda e qualquer alteração do edital afeta a
formulação das propostas. Excluídas questões totalmente irrelevantes, que
nem precisariam ser objeto de disciplina no edital, a quase totalidade das
regras ali previstas devem ser respeitadas pelos licitantes na elaboração
das propostas. Para adotar interpretação razoável, deve ter-se em vista,
então, o prejuízo sofrido pelo licitante em virtude de alteração. O problema
fundamental reside na viabilidade da elaboração das propostas segundo o
prazo original. Ou seja, é obrigatório reabrir o prazo quando a inovação
trazida não puder ser atendida no prazo remanescente. Assim, por
exemplo, modificar a data ou local da entrega de propostas não envolve
maior problema para os licitantes. O mesmo se diga quanto a modificação
acerca das condições de participação ou de elaboração de propostas que
não importem ampliação de encargos ou substituição de dados. A questão
é problemática, eis que poderá afetar-se indiretamente o interesse dos
licitantes. Assim, por exemplo, imagine-se que a Administração delibere
dispensar a exigência de apresentação de um certo documento. É óbvio
que isso afeta a formulação das propostas: afinal, os licitantes teriam sua
situação simplificada. Suponha-se, porém, que um potencial interessado
não dispusesse daquele documento e, por decorrência, tivesse deliberado
não participar da licitação. Ao suprimir a exigência, a Administração
modificou radicalmente as condições da licitação e o sujeito passou a ter
interesse concreto e real de participar. Para tanto, deverá dispor do prazo
necessário e adequado para elaborar sua proposta e obter os demais
documentos exigidos."
Nessa toada, as modificações editalícias que aumentam ou reduzem os requisitos necessários para participação da licitação demandam a reabertura do prazo inicialmente concedido, de modo a garantir o cumprimento do princípio da publicidade.
Nota-se, ainda, que a medida procura resguardar os princípios da isonomia e da ampla competitividade, visando assegurar a eficiência e a economicidade da contratação.
Por conseguinte, concluo que a modificação informal dos termos do edital, para dispensar a comprovação de reconhecimento de firma ou qualquer outro documento autenticado em razão do fechamento dos cartórios, demonstra potencial de afetar a formulação das propostas a serem apresentadas. Além disso, pode ter influenciado no próprio comparecimento das empresas interessadas.
Destaco, ainda, que o comparecimento de 04 empresas no certame não exime a Administração da observância das normas supracitadas, porquanto a modificação do edital demandava a adequada publicação da alteração com a reabertura do prazo para apresentação das propostas. Desse modo, sua ausência se mostrou apta a cercear a ampla competitividade dos potenciais licitantes e, desse modo, possivelmente impedir o alargamento da possibilidade de obtenção de maior vantajosidade pela Administração promotora do certame.
Aplicando essas considerações ao caso em tela, resta evidente a violação das normas principiológicas acima mencionadas por parte do Município de Primavera do Leste.
À vista disso, acolho o Parecer Ministerial para considerar improcedente esta Representação de Natureza Interna, por entender que a irregularidade inicialmente apontada pela Equipe Técnica não ocorreu, em razão da dispensa dos documentos autênticados quando da abertura do Pregão Presencial n.º 29/202.
No entanto, a decisão do pregoeiro de alterar a exigência constante nos termos do edital sem a sua devida publicação pode ter comprometido não só o princípio da vinculação ao instrumento convocatório mas o da isonomia, além dos dispositos legais supracitados.
Assim, considerando a função orientativa desta Corte de Contas, entendo pertinente expedir recomendação à atual Gestão da Prefeitura Municipal de Primavera do Leste para que, nos casos de modificação dos termos do edital, promova a adequada publicação da alteração com a reabertura do prazo para apresentação das propostas, nos termos do artigo 21, § 4º da Lei n.º 8.666/93, advertindo-se que a reincidência na irregularidade poderá ensejar a aplicação de multa, nos termos do artigo 75, IV, da Lei Orgânica do TCE/MT c/c o artigo 286, III, do RITCE/MT.
DISPOSITIVO
Diante do exposto, acolho o Parecer Ministerial n.º 4.688/2020, da lavra do Procurador de Contas William de Almeida Brito Júnior, e de acordo com a competência estabelecida no inciso XV do artigo 1º e no §3º do artigo 91 da Lei Complementar nº. 269/2007 c/c artigo 90, inciso II, da Resolução Normativa n.º 14/2007, decido no sentido de:
I) Conhecer desta Representação de Natureza Interna, uma vez que
atendidos os pressupostos de admissibilidade previstos nos artigos 219 e 224 do Regimento Interno deste Tribunal de Contas;
II) Julga-lá improcedente, visto que a irregularidade inicialmente
apontada pela Equipe Técnica não ocorreu, em razão da dispensa dos documentos
autênticados quando da abertura do Pregão Presencial n.º 29/202.
III) Recomendar à atual Gestão da Prefeitura Municipal de Primavera do
Leste para que, nos casos de modificação dos termos do edital, promova a adequada
publicação da alteração com a reabertura do prazo para apresentação das propostas,
nos termos do artigo 21, § 4º da Lei n.º 8.666/93, advertindo-se que a reincidência na
irregularidade poderá ensejar a aplicação de multa, nos termos regimentais.